segunda-feira, 13 de agosto de 2018

QUESTÕES FILOSÓFICAS VI (N. Maquiavel)


Algumas das questões elencadas abaixo não se encontram, necessariamente, dentro do padrão proposto pelo ENEM; no entanto, entendemos o valor e a importância das mesmas no que diz respeito ao fomento da exposição, discussão e apreensão em torno de temas pertinentes ao estudo da filosofia. Quando em sala, não objetivamos apenas explicar conteúdos e resolver questões padronizadas; mas, acima de tudo, ler, entender, problematizar e vivenciar questões filosóficas, tanto as acadêmicas (de caráter lógico/metodológico) quanto às do dia-a-dia (refém dos duvidosos auspícios do senso comum). Acreditamos que com isso poderemos fazer valer uma singular e significativa máxima da filosofia iluminista kantiana: “não se ensina filosofia, mas a filosofar”.
Cacau “:¬) 13/08/2018.


1. (Unesp 2018)
Texto I - Todo ser humano tem um direito legítimo ao respeito de seus semelhantes e está, por sua vez, obrigado a respeitar todos os demais. A humanidade em si mesma é uma dignidade, pois um ser humano não pode ser usado meramente como um meio (instrumento) por qualquer ser humano.
(Immanuel Kant. A metafísica dos costumes, 2010. Adaptado.)

Texto II - Ao se assenhorar de um Estado, aquele que o conquista deve definir as más ações a executar e fazê-lo de uma só vez, a fim de não ter de as renovar a cada dia. Deve-se fazer as injúrias todas de um só golpe. Quanto aos benefícios, devem ser concedidos aos poucos, de sorte que sejam mais bem saboreados.
(Nicolau Maquiavel. O príncipe, 2000. Adaptado.)
a) Considerando o texto 1, explique por que a ética de Kant apresenta um alcance universalista. Justifique sua compatibilidade com o Iluminismo filosófico.
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b) Considerando o texto 2, explique a posição assumida por Maquiavel em relação à manipulação política. Justifique a incompatibilidade entre a ética de Kant e os procedimentos recomendados por Maquiavel para a manutenção do poder político.
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2. (Espm 2017)  Cícero e os humanistas afirmavam que "nada é mais eficaz para defender e manter o poder do que ser amado e nada é mais danoso do que ser temido”. Um importante pensador moderno contrapôs: "Seria desejável ser uma coisa e outra (amado e temido), mas, como é quase impossível obter ambas as coisas ao mesmo tempo, é muito mais seguro ser temido que amado, quando se deve escolher uma des­sas condições."
Eugenio Garin. Dal Rinascimento all Illuminismo.
O importante pensador moderno mencio­nado no enunciado é: 
a) Thomas Hobbes;    
b) Nicolau Maquiavel;    
c) Jean Bodin;    
d) Jacques Bossuet;    
e) John Locke.    
  

3. (Unesp 2016)
Texto I - Sócrates – Ao atingir os cinquenta anos, os que tiverem se distinguido em tudo e de toda maneira, no seu agir e nas ciências, deverão ser levados até o limite e forçados a elevar a parte luminosa da sua alma ao Ser que ilumina todas as coisas. Então, quando tiverem vislumbrado o bem em si mesmos, usá-lo-ão como um modelo para organizar a cidade, os particulares e a sua própria pessoa, pelo resto da sua vida. Passarão a maior parte do seu tempo estudando a filosofia e, quando chegar sua vez, suportarão trabalhar nas tarefas de administração e governo, por amor à cidade, pois que verão nisso um dever indispensável. Assim, depois de terem formado sem cessar homens que lhes sejam semelhantes, para lhes deixar a guarda da cidade, irão habitar as ilhas dos bem-aventurados.
Glauco – São mesmo belíssimos, Sócrates, os governantes que modelaste como um escultor!
(Platão. A República, 2000. Adaptado.)

Texto II - Origina-se aí a questão a ser discutida: se é preferível ao príncipe ser amado ou temido. Responder-se-á que se preferiria uma e outra coisa; porém, como é difícil unir, a um só tempo, as qualidades que promovem aqueles resultados, é muito mais seguro ser temido do que amado, quando se veja obrigado a falhar numa das duas. Os homens costumam ser ingratos, volúveis, covardes e ambiciosos de dinheiro; enquanto lhes proporcionas benefícios, todos estão contigo. Todavia, quando a necessidade se aproxima, voltam-se para outra parte. Os homens relutam menos em ofender aos que se fazem amar do que aos que se fazem temer, pois o amor se mantém por um vínculo de obrigação, o qual, mercê da perfídia humana, rompe-se sempre que for conveniente, enquanto o medo que se incute é alimentado pelo temor do castigo, sentimento que nunca se abandona.
(Maquiavel. O Príncipe, 2000. Adaptado.)
Considerando os conceitos filosóficos de “idealismo”, “metafísica” e “ética”, explique as diferenças entre as concepções de política formuladas por Platão e por Maquiavel.
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4. (Unicamp 2016) Quanto seja louvável a um príncipe manter a fé, aparentar virtudes e viver com integridade, não com astúcia, todos o compreendem; contudo, observa-se, pela experiência, em nossos tempos, que houve príncipes que fizeram grandes coisas, mas em pouca conta tiveram a palavra dada, e souberam, pela astúcia, transtornar a cabeça dos homens, superando, enfim, os que foram leais (...). Um príncipe prudente não pode nem deve guardar a palavra dada quando isso se lhe torne prejudicial e quando as causas que o determinaram cessem de existir.
(Nicolau Maquiavel, O Príncipe. São Paulo: Nova Cultural, 1997, p. 73-85.)
A partir desse excerto da obra, publicada em 1513, é correto afirmar que:
a) O jogo das aparências e a lógica da força são algumas das principais artimanhas da política moderna explicitadas por Maquiavel.   
b) A prudência, para ser vista como uma virtude, não depende dos resultados, mas de estar de acordo com os princípios da fé.   
c) Os princípios e não os resultados é que definem o julgamento que as pessoas fazem do governante, por isso é louvável a integridade do príncipe.   
d) A questão da manutenção do poder é o principal desafio ao príncipe e, por isso, ele não precisa cumprir a palavra dada, desde que autorizado pela Igreja.   
  
5. (Ufu 2015) A respeito da fortuna, Maquiavel escreveu:
[...] penso poder ser verdade que a fortuna seja árbitra de metade de nossas ações, mas que, ainda assim, ela nos deixe governar quase a outra metade.
MAQUIAVEL, N. O príncipe. Tradução de Lívio Xavier. São Paulo: Nova Cultural, 1987. Coleção “Os Pensadores”. p. 103.
Com base na citação, responda:
a) O que é a fortuna para Maquiavel?
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b) Como deve agir o príncipe em relação à fortuna?
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6. (Uem 2014) A respeito das manifestações populares, o filósofo Nicolau Maquiavel (1469-1527) afirma: “Eu digo que aqueles que condenam os tumultos entre os nobres e a plebe parecem reprovar aquelas coisas que foram a causa primeira da liberdade em Roma. Consideram mais os rumores e os gritos que nasciam de tais tumultos que os bons efeitos que eles provocavam e não veem que há em toda república dois humores diversos, quais sejam, aquele do povo e aquele dos grandes, nem também que todas as leis que são feitas em favor da liberdade nascem desta desunião. [...] Não se pode com alguma razão chamar esta república de desordenada quando nela existem tantos exemplos de virtù, porque os bons exemplos nascem da boa educação, a boa educação das boas leis e as boas leis daqueles tumultos que muitos condenam inadvertidamente”
(MAQUIAVEL, Nicolau. Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio. In: MARÇAL, Jairo. Antologia de textos filosóficos, Seed-PR, p. 432).
Com base no texto citado, assinale o que for correto.
01) Aquilo que é preconizado pelo filósofo como causa da liberdade política apenas caberia para o contexto da Roma republicana e não para toda e qualquer república.   
02) Os tumultos referidos no trecho expressam a possibilidade de luta política de um povo, a sua liberdade de participação na vida política do Estado.   
04) Os tumultos, na medida em que geram benefícios para a cidade, não podem ser recriminados, apesar do temor que provocam em um primeiro momento.   
08) Os tumultos revelam a presença de dois grupos políticos ou de dois humores antagônicos, quais sejam, aqueles que desejam a paz na cidade e aqueles que desejam a desunião entre os cidadãos.   
16) Os tumultos não são sinais de fraqueza de uma república, mas um índice de força política, na medida em que revelam o engajamento político dos cidadãos de todas as classes políticas.   
  
7. (Unesp 2014) 
Texto I - A verdade é esta: a cidade onde os que devem mandar são os menos apressados pela busca do poder é a mais bem governada e menos sujeita a revoltas, e aquela onde os chefes revelam disposições contrárias está ela mesma numa situação contrária. Certamente, no Estado bem governado só mandarão os que são verdadeiramente ricos, não de ouro, mas dessa riqueza de que o homem tem necessidade para ser feliz: uma vida virtuosa e sábia.
(Platão. A República, 2000. Adaptado.)

Texto II - Um príncipe prudente não pode e nem deve manter a palavra dada quando isso lhe é nocivo e quando aquilo que a determinou não mais exista. Fossem os homens todos bons, esse preceito seria mau. Mas, uma vez que são pérfidos e que não a manteriam a teu respeito, também não te vejas obrigado a cumpri-la para com eles. Nunca, aos príncipes, faltaram motivos para dissimular quebra da fé jurada.
(Maquiavel. O Príncipe, 2000. Adaptado.)
Comente as diferenças entre os dois textos no que se refere à necessidade de virtudes pessoais para o governante de um Estado.
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Gabaritos: Cacau ":¬)
Resposta da questão 1:

 a) A ética kantiana é universalista ao ter como elemento central o indivíduo e sua relação com os demais, exatamente como ele apresenta em seu imperativo categórico. Isso está alinhado com o iluminismo na medida em que valoriza o indivíduo e a razão, inspirando inclusive a ideia de Direitos Humanos universais.

b) Maquiavel está preocupado com a manutenção da comunidade política. Assim, o governante deve ser capaz de, guiado pela virtù, identificar qual ação política deve tomar. Sua ética é incompatível com a ética kantiana na medida em que não se alinha ao imperativo categórico por reconhecer na “maldade” uma função positiva para a política.  

Resposta da questão 2: [B]
Nicolau Maquiavel, em seus estudos sobre a política, refletia como um governante poderia conquistar e manter o poder. Ele não fazia assim um juízo moral sobre a forma como isso se daria, sendo um dos pioneiros da moderna compreensão da política.  

Resposta da questão 3:
A ideia de política defendida por Platão se baseia no conceito de Idealismo, ou seja, na representação da prática política a partir de uma perspectiva idealizada e distanciada da forma que essa prática assume na realidade concreta, sendo, portanto, uma representação que se limita ao plano metafísico das ideias. Essa concepção de um mundo metafísico idealizado funda uma ética baseada na dicotomia entre as ideias de bem e mal, sendo a ação boa alcançável na medida em que o governante se aproxima do plano das ideias, o que levaria à uma prática política ideal e capaz de garantir a justiça plena. Na teoria política formulada por Maquiavel identifica-se uma crítica à concepção da política presente na filosofia platônica. Para Maquiavel, a política é uma construção humana e, por extensão, uma construção histórica e por isso não deve ser entendida a partir de idealizações, mas sim a partir da percepção pragmática da forma como se deve agir a fim de garantir a ordem social e a manutenção do poder. Assim, Maquiavel rompe com a ideia da ética baseada na ideia de bem e mal como guia da prática política.  

Resposta da questão 4: [A]
Em sua teoria política, Nicolau Maquiavel estabelece que o príncipe – o governante – deve fazer uso do jogo das aparências de modo que sua figura seja associada à religiosidade, à virtude, à ética, à fidelidade e à compassividade. Para Maquiavel, no entanto, o príncipe não deve fazer uso dessas qualidades quando não lhe for conveniente, mas deve aparentar que faz esse uso sempre, a fim de garantir a manutenção do poder, ideia que é contemplada pela alternativa [A].  

Resposta da questão 5:
a) O conceito de fortuna em Maquiavel diz respeito à sorte, isto é, são acontecimentos que ocorrem sem que o governante possua controle, pois estes escapam a seu alcance. Assim não é possível prever ou programar todos os acontecimentos que o cercam, por que eles dependem de fatores externos que não podem ser previstos. Contudo, os acontecimentos podem se revelar tanto uma oportunidade quanto um adversidade.

b) O príncipe, segundo Maquiavel, deve manter-se atento no intuito de prevenir acontecimentos que podem ser desfavoráveis. Ele deve aproveitar as oportunidades e agindo corretamente nas adversidades a fim de manter o poder. Esta característica de possuir ímpeto, virilidade, bravura e coragem para aproveitar as oportunidades e precaver-se nas adversidades, Maquiavel determina como “virtú”. Esta representa os atributos e qualidades necessárias para calcular o conjunto de eventos propícios ou desfavoráveis para intervir no momento mais oportuno da cadeia causal.  

Resposta da questão 6: 02 + 04 + 16 = 22.
[Resposta do ponto de vista da disciplina de História]
A afirmativa [01] está incorreta porque as ideias de Maquiavel podem ser aplicadas a qualquer República, e não apenas a romana;
A afirmativa [08] está incorreta porque Maquiavel cita a presença de dois humores nas manifestações, um ligado a elite e outro ligado ao povo, mas não afirma que um está relacionado à paz enquanto outro está relacionado à desunião.

[Resposta do ponto de vista da disciplina de Filosofia]
As afirmativas [02], [04] e [16] estão corretas porque para Maquiavel os tumultos se referem à luta entre a plebe e os nobres e devem ser canalizados por instituições que realizam uma mediação e dão vazão aos humores sociais de ambos os grupos em conflito, contribuindo para a geração de boas leis que visam manter a segurança de todos. Caso contrário, estes conflitos poderiam se tornar disputas contrárias a “virtú” defendidas pelo autor. Ou seja, para Maquiavel os tumultos, embora representem um temor, não devem ser recriminados, pois permitem que a “virtú” do príncipe seja exercitada na medida em que este cria condições para administrar estes tumultos, garantindo a participação da população, dentro de limites, porém permitindo que esta participação se converta em um instrumento a serviço da manutenção do poder do príncipe em gerenciar os interesses para que não ameacem seu reinado.  

Resposta da questão 7:
No texto 1 Platão desenvolve a tese de que cidade seria melhor administrada pelo “Filósofo Rei”, nesta teoria desenvolvida no livro “A República” o filósofo é o melhor administrador por ser aquele que possui conhecimento da “verdade” que se identifica com o Bom, o Bem e o Belo que residem no Mundo das Ideias. Ele (Filósofo Rei) seria o único capaz de guiar os habitantes da cidade na busca do melhor desenvolvimento de cada um segundo suas aptidões naturais, ou seja, o bem que reside dentro de cada indivíduo pode ser alcançado e permitir uma vida feliz a todos. A virtude do governante centra-se na busca da concretização do bem a todos os habitantes da cidade. Não sendo o filósofo guiado por interesses particulares, ele se torna o administrador ideal para a cidade. Já no texto 2, Nicolau Maquiavel, em seu livro “O Príncipe”, desenvolve uma tese que rompe com lógica estabelecida entre ética e poder. Seu pressuposto de que os homens são maus, faz com que o príncipe deve buscar manter o poder mediante estratégias que não possuem ligação com o comportamento virtuoso. Elementos como virtú (entendida como impetuosidade, coragem) e fortuna (entendida como ventura, oportunidade), somado a um conhecimento da moralidade dos homens, são recursos que permitem ao governante agir de modo calculado, não objetivando o desenvolvimento de uma bondade natural nos homens como acredita Platão, mas tendo como foco a condução dos homens rumo a uma melhor condição de vida que não siga necessariamente o caminho da virtude enquanto retidão moral.  

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