sexta-feira, 22 de setembro de 2023

RESPOSTA

 

François Guizot (1787-1874) - As palavras do historiador, orador e estadista francês, se não forem adequadamente compreendidas, podem facilmente, como é comum aos radicais, serem retiradas dos seus contextos. Não existe “recinto dos tribunais” separado do “recinto da política” (só fisicamente); nem muito menos uma justiça autônoma que pode sair do recinto quando negligenciada ou que permaneça no recinto quando valorizada (essas são figuras de linguagens). Da mesma maneira que não existe ser humano separado da natureza, não existe justiça independente da política! Acreditar no contrário é o mesmo que acreditar em quimeras! Mesmo levando em consideração os “sagrados” princípios da separação entre os poderes (sistema de freios e contrapesos), como bem defendeu o filósofo iluminista: Barão de Montesquieu (1689-1755) com a sua famosa sentença “só o poder refreia o poder”. Pensar em separação institucional absoluta, entre os poderes constituídos, é o mesmo que acreditar no inacreditável! A lei é positiva, ou seja, é feita pelos legisladores, políticos portanto, promulgada pelo poder competente (executivo e legislativo juntos) e imposta à observância de todos (judiciário). Em nosso país (Brasil), para sermos mais específicos, indicar um juiz para a Suprema Corte é prerrogativa do Presidente da República (independentemente de ideologias partidárias), mas quem aprova ou não a indicação feita (sabatinar) é o Senado Federal. Executivo e legislativo, únicos protagonistas de fato de todo o processo, da escolha à eleição. Indicam quem querem e como querem: uns mais progressistas, para agradar os “canhotos”, outros mais conservadores para concordar com os reacionários; não devemos esquecer do advogado particular de um (indicado e aceito no governo atual) ou do terrivelmente evangélico do outro (indicado e aceito no governo passado). Diante deste quadro podemos facilmente chegar à seguinte conclusão: fica difícil, quase impossível, separar justiça de política no Brasil; salvo se o entendimento de justiça estiver inexoravelmente atrelado ao conceito de essência e/ou substância primeira. Nesse caso, devemos acreditar que a justiça existe independentemente dos seres humanos (ela deixa de ser positiva), devemos acreditar também que ela é cega e imparcial com todos, em todo tempo. Mas, se resolvermos acreditar nisso, sem nenhuma reflexão histórica e/ou social, jamais poderemos criticar uma pessoa adulta, que apesar da idade avançada, insiste em continuar acreditando em Coelho da Páscoa e/ou em Papai e Mamãe Noel. 

C@cau “:¬)22/09/2023 

 

quinta-feira, 7 de setembro de 2023

À PAZ PERPÉTUA (IMMANUEL KANT)

IMMANUEL KANT 1724-1804

A PAZ PERPÉTUA

(ALGUNS CONCEITOS BÁSICOS)

Por: Claudio F. Ramos, organizado a partir da net e de livros. C@cau “:¬)07/09/2023

ANTES DA ONU

- Considerando o total fracasso da Liga das Nações em administrar as crises que se sucederam no período entre as duas Grandes Guerras:

·         A criação da Organização das Nações Unidas pode ser considerada como a mais efetiva medida da humanidade para concretizar um sistema internacional fundamentado na paz e baseado na igualdade jurídica das nações.

A CRIAÇÃO DA ONU

- Em 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial e a criação da Organização das Nações Unidas (ONU):

·         As relações internacionais ganham uma nova dimensão.

·         Menos busca incessante de expansão do poder.

·         Mais espírito de colaboração universal e afirmação dos Direitos Humanos.

- A criação da ONU expressa os ideais e propósitos comuns dos povos.

·         Busca livrar a humanidade dos horrores contidos na conflagração de 1939-1945.

·         Inaugurar uma nova era de paz e desenvolvimento, através de uma organização internacional de vocação universal.

·         Uma organização que pudesse administrar os interesses e conflitos das nações. 

PROPÓSITOS DA ONU

- Os propósitos e finalidades das Nações Unidas, contidos no artigo 1º de sua Carta Constitutiva, são os seguintes:

a) preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes na primeira metade do século XX trouxe sentimentos indizíveis à humanidade.

b) reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, da dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas.

c) estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos.

d) promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla.

e) praticar a tolerância e viver em paz, uns com outros, como bons vizinhos, e unir as forças para manter a paz e a segurança internacionais, e garantir, pela aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será usada a não ser no interesse comum.

f) empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos.

g) manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim, tomar coletivamente, medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz.

h) desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direito e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal.

i) conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.

j) ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses objetivos comuns. 

INTRODUÇÃO À PAZ PERPÉTUA

- A paz perpétua coloca em primeiro plano as possibilidades da paz e a defesa do republicanismo.

·         Ressaltando a relação necessária entre ética e política por intermédio do Direito Internacional.

- Para Kant as relações entre as nações assemelham-se às relações dos homens no estado de natureza, vigorando a ausência de justiça.

·         Para solucionar o problema, o filósofo alemão propõe um sistema de Direito Internacional baseado em uma federação de Estados e administrado por uma liga de nações cujo objetivo maior seria a conservação e a garantia da liberdade. 

AS CONDIÇÕES PARA A PAZ PERPÉTUA

- A realização da paz perpétua exige:

·         A constituição republicana (separação de poderes e representação popular) no interior dos Estados.

·         A federação das nações no plano internacional.

·         O reconhecimento dos direitos da pessoa em todo o mundo.

ESTRUTURA: SIMPLES E COMPLEXA

- Kant estrutura o texto em forma de um conciso tratado imaginário de paz.

·         O filósofo escreveu artigos preliminares e definitivos, apêndices, suplementos, e até mesmo um artigo secreto, reproduzindo assim as convenções de paz da época.

·         Embora escrito de maneira simples e direta, a obra é uma obra filosófica complexa.

PONTOS PRINCIPAIS

1) Os Estados nas suas relações externas vivem ainda num estado não jurídico (seria melhor dizer num estado jurídico provisório).

2) O estado de natureza é um estado de guerra e, portanto, um estado injusto (da mesma maneira como é injusto o estado de natureza entre os indivíduos).

3) Sendo esse estado injusto, os Estados têm o dever de sair do mesmo e fundar uma federação de Estados, segundo a ideia de um contrato social originário, ou seja, “uma união dos povos por meio da qual eles sejam obrigados a não se intrometer nos problemas internos uns dos outros, mas a proteger-se contra os assaltos de um inimigo externo”.

4) Essa federação não institui um poder soberano, ou seja, não dá origem a um Estado acima dos outros Estados, ou superestado, mas assume a figura de uma associação, na qual os componentes permanecem num nível de colaboração entre iguais, como se dos dois contratos que, segundo a doutrina tradicional do jusnaturalismo, eram necessários para a formação do Estado, o pactum societatis e o pactum subiectiones, tivesse que ser efetivado, para resolver os conflitos entre os Estados, somente o primeiro e de forma alguma o segundo.

OS ARTIGOS DA 1ª SEÇÃO

- Os artigos preliminares da primeira seção tratam das condições prévias para a obtenção da paz.

·         Todos os seis artigos desta parte da obra são formulados com o uso da expressão deve ser.

1ª ARTIGO - Kant adverte que a reserva de pretensões antigas pode ser válida no futuro, para ser usada com intenção de novas hostilidades.

·         “[...] As causas existentes para guerra futura, embora talvez agora ainda não sejam conhecidas aos próprios contratantes, são aniquiladas em seu todo pelo tratado de paz”.

OBS: “para Kant um tratado de paz não deve conter nem o pedido de ressarcimento das despesas de guerra, porque nesse caso o Estado vencedor se arvoraria em juiz em causa própria, nem retirar aos súditos do país conquistado a liberdade, pois esse é um direito natural dos indivíduos e dos povos”.

2ª ARTIGO - Kant critica de forma veemente o Estado Patrimonial, segundo o qual o Estado é considerado como patrimônio próprio do soberano.

·         Entende que a visão patrimonialista dos soberanos leva necessariamente a uma busca incessante de expansão de poder, causa constante de guerras.

OBS: “Kant opõe que o Estado é uma pessoa moral, e de uma pessoa moral, por analogia com a pessoa física, não se pode dispor como se fosse uma coisa”.

3ª ARTIGO - O filósofo alemão trata da questão do desarmamento.

·         Defende o fim dos exércitos permanentes.

·         Alega o custo excessivo de manutenção de exércitos permanentes.

·         Entende que a manutenção de exércitos permanentes acaba por estimular a corrida armamentista, dado o receio recíproco constante existente entre as nações.

4ª ARTIGO - O quarto artigo critica o endividamento dos Estados.

·         Kant quer “evitar o perigo implícito no aumento indefinido da dívida pública, que leva o Estado a possuir uma perigosa força financeira, ameaça perpétua, direta ou indireta, de guerra”.

5ª ARTIGO - O quinto artigo é dedicado à defesa do princípio consagrado no Direito Internacional da não intervenção.

·         Veda a intervenção por parte de um Estado nos negócios externos ou internos de outro Estado.

 

- No último artigo da primeira seção das condições prévias para a obtenção da paz:

·         Kant desenvolve a ideia de guerra justa.

·         Recrimina o uso de espiões, assassinos e atos de traição.

·         Entende que essas “artes infernais”, uma vez introduzidas durante a guerra, dificilmente cessarão após o seu fim.

·         Reprova a prática de guerras de extermínio e de punição.

OBS: Dado a igualdade jurídica dos Estados, inerentes à soberania, não seria possível um Estado punir outro, por total ausência de hierarquia.

ARTIGOS DA 2ª SEÇÃO

- A segunda seção, consagrada aos artigos definitivos; resume conceitos acerca do Direito Público.

1ª ARTIGO - Exorta a necessidade de adoção por parte dos Estados de constituições republicanas.

·         Dessa forma, a república “(...) não é somente a melhor forma de governo no que diz respeito às relações entre o Estado e os cidadãos, mas também no que diz respeito às relações entre os Estados. Ela garante, melhor do que qualquer outra, internamente, a liberdade, e externamente a paz: é, portanto, a condição principal daquela coexistência pacífica na liberdade ou livre na paz, que constitui o ideal moral da espécie humana”.

- Para Kant a forma de governo concerne à maneira pela qual o poder é exercido, sendo que na república o Poder Executivo é separado do Poder Legislativo, e o governo obedece às leis promulgadas pelo soberano, que devem estar de acordo com a vontade geral.

·         A forma republicana difere do despotismo, onde não há separação de Poderes.

- A forma ideal de governo, consubstanciada na república, implica, portanto na consagração de dois valores políticos fundamentais:

·         Separação de Poderes.

·         Representação popular.

OBS 1: (...) O republicanismo é o princípio de Estado da separação do poder executivo (o governo) do legislativo; o despotismo é o da execução autocrática do Estado de leis que ele mesmo propôs, por conseguinte da vontade pública enquanto ela é manipulada pelo regente como sua vontade privada.

OBS 2: “Toda forma de governo que não é representativa é propriamente uma não-forma, porque o legislador não pode ser em sua mesma pessoa ao mesmo tempo executor de sua vontade (...)”.

2ª ARTIGO - Kant defende que o Direito internacional deve fundar-se em um federalismo de Estados livres.

·         “vemos o pacifismo político de Kant desembocar no pacifismo jurídico”.

·         Não é suficiente que os Estados se tornem republicanos: a república é uma condição necessária, mas não suficiente para a paz perpétua.

·         É necessário também que as repúblicas assim constituídas originem uma federação, ou seja, obriguem-se a entrar numa constituição análoga à constituição civil na qual seja possível garantir para cada membro o próprio direito.

·         Essa federação deve se distinguir, de um lado, de um superestado que contradiz o princípio da igualdade dos Estados, mas por outro lado, deve se distinguir de um puro e simples tratado de paz, porque esse último se propõe a pôr fim a uma guerra, enquanto aquela se propõe a pôr termo a todas as guerras e para sempre.

3ª ARTIGO - Kant lança as bases para a criação do que ele denominou Direito Cosmopolita.

·         “deve ser limitado às condições da hospitalidade universal”.

OBS 1: Esse artigo foi interpretado de maneiras diferentes por diversos autores.

·         Para Bobbio, “por direito cosmopolita entende-se uma seção do direito diversa do direito internacional (...)”, pois “enquanto o direito internacional regula as relações entre os Estados, e o direito interno regula as relações entre o Estado e os próprios cidadãos, o direito cosmopolita regula as relações entre um Estado e os cidadãos dos outros Estados (ou seja, os estrangeiros)”.

OBS 2: Outra interpretação desse acordo é a manifesta condenação de Kant ao colonialismo.

·         Como se pode depreender do elogio feito por Kant à China e ao Japão, que permitiam certas relações com os países europeus, mas não a instalação de colônias. 

CONCLUSÃO

- A realização da paz perpétua para Kant exige a constituição republicana (separação de poderes e representação popular) no interior dos Estados.

·         A federação das nações no plano internacional e o reconhecimento dos direitos da pessoa em todo o mundo.

- Em tempos de crise de legitimidade no mundo, as lições de Kant contidas neste livro, À paz perpétua, são sempre uma boa lembrança aos formuladores de políticas públicas de que a paz perpétua é (talvez seja) possível.

 

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