IMMANUEL KANT 1724-1804
A PAZ PERPÉTUA
(ALGUNS CONCEITOS BÁSICOS)
Por: Claudio F. Ramos, organizado a partir da net e de livros. C@cau “:¬)07/09/2023
ANTES
DA ONU
-
Considerando o total fracasso da Liga das Nações em administrar as crises que
se sucederam no período entre as duas Grandes Guerras:
· A criação da Organização das Nações Unidas pode ser considerada como a mais efetiva medida da humanidade para concretizar um sistema internacional fundamentado na paz e baseado na igualdade jurídica das nações.
A
CRIAÇÃO DA ONU
-
Em 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial e a criação da Organização das
Nações Unidas (ONU):
·
As
relações internacionais ganham uma nova dimensão.
·
Menos
busca incessante de expansão do poder.
· Mais espírito de colaboração universal e afirmação dos Direitos Humanos.
-
A criação da ONU expressa os ideais e propósitos comuns dos povos.
·
Busca
livrar a humanidade dos horrores contidos na conflagração de 1939-1945.
·
Inaugurar
uma nova era de paz e desenvolvimento, através de uma organização internacional
de vocação universal.
·
Uma
organização que pudesse administrar os interesses e conflitos das nações.
PROPÓSITOS
DA ONU
-
Os propósitos e finalidades das Nações Unidas, contidos no artigo 1º de sua
Carta Constitutiva, são os seguintes:
a)
preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes na
primeira metade do século XX trouxe sentimentos indizíveis à humanidade.
b)
reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, da dignidade e no valor do
ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das
nações grandes e pequenas.
c)
estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações
decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser
mantidos.
d)
promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma
liberdade mais ampla.
e)
praticar a tolerância e viver em paz, uns com outros, como bons vizinhos, e
unir as forças para manter a paz e a segurança internacionais, e garantir, pela
aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não
será usada a não ser no interesse comum.
f)
empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e
social de todos os povos.
g)
manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim, tomar
coletivamente, medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de
agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de
conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um
ajuste ou solução das controvérsias ou situações que possam levar a uma
perturbação da paz.
h)
desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao
princípio de igualdade de direito e de autodeterminação dos povos, e tomar
outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal.
i)
conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas
internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para
promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades
fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.
j) ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses objetivos comuns.
INTRODUÇÃO
À PAZ PERPÉTUA
-
A paz perpétua coloca em primeiro plano as possibilidades da paz e a defesa do
republicanismo.
· Ressaltando a relação necessária entre ética e política por intermédio do Direito Internacional.
-
Para Kant as relações entre as nações assemelham-se às relações dos homens no
estado de natureza, vigorando a ausência de justiça.
·
Para
solucionar o problema, o filósofo alemão propõe um sistema de Direito
Internacional baseado em uma federação de Estados e administrado por uma liga
de nações cujo objetivo maior seria a conservação e a garantia da liberdade.
AS
CONDIÇÕES PARA A PAZ PERPÉTUA
-
A realização da paz perpétua exige:
·
A
constituição republicana (separação de poderes e representação popular) no
interior dos Estados.
·
A
federação das nações no plano internacional.
· O reconhecimento dos direitos da pessoa em todo o mundo.
ESTRUTURA:
SIMPLES E COMPLEXA
-
Kant estrutura o texto em forma de um conciso tratado imaginário de paz.
·
O
filósofo escreveu artigos preliminares e definitivos, apêndices, suplementos, e
até mesmo um artigo secreto, reproduzindo assim as convenções de paz da época.
· Embora escrito de maneira simples e direta, a obra é uma obra filosófica complexa.
PONTOS
PRINCIPAIS
1)
Os Estados nas suas relações externas vivem ainda num estado não jurídico
(seria melhor dizer num estado jurídico provisório).
2)
O estado de natureza é um estado de guerra e, portanto, um estado injusto (da
mesma maneira como é injusto o estado de natureza entre os indivíduos).
3)
Sendo esse estado injusto, os Estados têm o dever de sair do mesmo e fundar uma
federação de Estados, segundo a ideia de um contrato social originário, ou
seja, “uma união dos povos por meio da qual eles sejam obrigados a não se
intrometer nos problemas internos uns dos outros, mas a proteger-se contra os
assaltos de um inimigo externo”.
4) Essa federação não institui um poder soberano, ou seja, não dá origem a um Estado acima dos outros Estados, ou superestado, mas assume a figura de uma associação, na qual os componentes permanecem num nível de colaboração entre iguais, como se dos dois contratos que, segundo a doutrina tradicional do jusnaturalismo, eram necessários para a formação do Estado, o pactum societatis e o pactum subiectiones, tivesse que ser efetivado, para resolver os conflitos entre os Estados, somente o primeiro e de forma alguma o segundo.
OS
ARTIGOS DA 1ª SEÇÃO
-
Os artigos preliminares da primeira seção tratam das condições prévias para a
obtenção da paz.
· Todos os seis artigos desta parte da obra são formulados com o uso da expressão deve ser.
1ª
ARTIGO
- Kant adverte que a reserva de pretensões antigas pode ser válida no futuro,
para ser usada com intenção de novas hostilidades.
· “[...] As causas existentes para guerra futura, embora talvez agora ainda não sejam conhecidas aos próprios contratantes, são aniquiladas em seu todo pelo tratado de paz”.
OBS: “para Kant um tratado de paz não deve conter nem o pedido de ressarcimento das despesas de guerra, porque nesse caso o Estado vencedor se arvoraria em juiz em causa própria, nem retirar aos súditos do país conquistado a liberdade, pois esse é um direito natural dos indivíduos e dos povos”.
2ª
ARTIGO
- Kant critica de forma veemente o Estado Patrimonial, segundo o qual o Estado
é considerado como patrimônio próprio do soberano.
· Entende que a visão patrimonialista dos soberanos leva necessariamente a uma busca incessante de expansão de poder, causa constante de guerras.
OBS: “Kant opõe que o Estado é uma pessoa moral, e de uma pessoa moral, por analogia com a pessoa física, não se pode dispor como se fosse uma coisa”.
3ª
ARTIGO
- O filósofo alemão trata da questão do desarmamento.
·
Defende
o fim dos exércitos permanentes.
·
Alega
o custo excessivo de manutenção de exércitos permanentes.
· Entende que a manutenção de exércitos permanentes acaba por estimular a corrida armamentista, dado o receio recíproco constante existente entre as nações.
4ª
ARTIGO
- O quarto artigo critica o endividamento dos Estados.
· Kant quer “evitar o perigo implícito no aumento indefinido da dívida pública, que leva o Estado a possuir uma perigosa força financeira, ameaça perpétua, direta ou indireta, de guerra”.
5ª
ARTIGO
- O quinto artigo é dedicado à defesa do princípio consagrado no Direito
Internacional da não intervenção.
·
Veda
a intervenção por parte de um Estado nos negócios externos ou internos de outro
Estado.
-
No último artigo da primeira seção das condições prévias para a obtenção da paz:
·
Kant
desenvolve a ideia de guerra justa.
·
Recrimina
o uso de espiões, assassinos e atos de traição.
·
Entende
que essas “artes infernais”, uma vez introduzidas durante a guerra,
dificilmente cessarão após o seu fim.
· Reprova a prática de guerras de extermínio e de punição.
OBS: Dado a igualdade jurídica dos Estados, inerentes à soberania, não seria possível um Estado punir outro, por total ausência de hierarquia.
ARTIGOS
DA 2ª SEÇÃO
- A segunda seção, consagrada aos artigos definitivos; resume conceitos acerca do Direito Público.
1ª
ARTIGO
- Exorta a necessidade de adoção por parte dos Estados de
constituições republicanas.
· Dessa forma, a república “(...) não é somente a melhor forma de governo no que diz respeito às relações entre o Estado e os cidadãos, mas também no que diz respeito às relações entre os Estados. Ela garante, melhor do que qualquer outra, internamente, a liberdade, e externamente a paz: é, portanto, a condição principal daquela coexistência pacífica na liberdade ou livre na paz, que constitui o ideal moral da espécie humana”.
-
Para Kant a forma de governo concerne à maneira pela qual o poder é exercido,
sendo que na república o Poder Executivo é separado do Poder Legislativo, e o
governo obedece às leis promulgadas pelo soberano, que devem estar de acordo
com a vontade geral.
· A forma republicana difere do despotismo, onde não há separação de Poderes.
-
A forma ideal de governo, consubstanciada na república, implica, portanto na
consagração de dois valores políticos fundamentais:
·
Separação
de Poderes.
· Representação popular.
OBS 1: (...) O republicanismo é o princípio de Estado da separação do poder executivo (o governo) do legislativo; o despotismo é o da execução autocrática do Estado de leis que ele mesmo propôs, por conseguinte da vontade pública enquanto ela é manipulada pelo regente como sua vontade privada.
OBS 2: “Toda forma de governo que não é representativa é propriamente uma não-forma, porque o legislador não pode ser em sua mesma pessoa ao mesmo tempo executor de sua vontade (...)”.
2ª
ARTIGO
- Kant defende que o Direito internacional deve fundar-se em um federalismo de
Estados livres.
·
“vemos
o pacifismo político de Kant desembocar no pacifismo jurídico”.
·
Não
é suficiente que os Estados se tornem republicanos: a república é uma condição
necessária, mas não suficiente para a paz perpétua.
·
É
necessário também que as repúblicas assim constituídas originem uma federação,
ou seja, obriguem-se a entrar numa constituição análoga à constituição civil na
qual seja possível garantir para cada membro o próprio direito.
· Essa federação deve se distinguir, de um lado, de um superestado que contradiz o princípio da igualdade dos Estados, mas por outro lado, deve se distinguir de um puro e simples tratado de paz, porque esse último se propõe a pôr fim a uma guerra, enquanto aquela se propõe a pôr termo a todas as guerras e para sempre.
3ª
ARTIGO
- Kant lança as bases para a criação do que ele denominou Direito Cosmopolita.
· “deve ser limitado às condições da hospitalidade universal”.
OBS
1: Esse artigo foi interpretado de maneiras diferentes por diversos autores.
· Para Bobbio, “por direito cosmopolita entende-se uma seção do direito diversa do direito internacional (...)”, pois “enquanto o direito internacional regula as relações entre os Estados, e o direito interno regula as relações entre o Estado e os próprios cidadãos, o direito cosmopolita regula as relações entre um Estado e os cidadãos dos outros Estados (ou seja, os estrangeiros)”.
OBS
2: Outra interpretação desse acordo é a manifesta condenação de Kant ao
colonialismo.
·
Como
se pode depreender do elogio feito por Kant à China e ao Japão, que permitiam
certas relações com os países europeus, mas não a instalação de colônias.
CONCLUSÃO
-
A realização da paz perpétua para Kant exige a constituição republicana
(separação de poderes e representação popular) no interior dos Estados.
· A federação das nações no plano internacional e o reconhecimento dos direitos da pessoa em todo o mundo.
-
Em tempos de crise de legitimidade no mundo, as lições de Kant contidas neste
livro, À paz perpétua, são sempre uma boa lembrança aos formuladores de
políticas públicas de que a paz perpétua é (talvez seja) possível.
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