quinta-feira, 7 de setembro de 2023

À PAZ PERPÉTUA (IMMANUEL KANT)

IMMANUEL KANT 1724-1804

A PAZ PERPÉTUA

(ALGUNS CONCEITOS BÁSICOS)

Por: Claudio F. Ramos, organizado a partir da net e de livros. C@cau “:¬)07/09/2023

ANTES DA ONU

- Considerando o total fracasso da Liga das Nações em administrar as crises que se sucederam no período entre as duas Grandes Guerras:

·         A criação da Organização das Nações Unidas pode ser considerada como a mais efetiva medida da humanidade para concretizar um sistema internacional fundamentado na paz e baseado na igualdade jurídica das nações.

A CRIAÇÃO DA ONU

- Em 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial e a criação da Organização das Nações Unidas (ONU):

·         As relações internacionais ganham uma nova dimensão.

·         Menos busca incessante de expansão do poder.

·         Mais espírito de colaboração universal e afirmação dos Direitos Humanos.

- A criação da ONU expressa os ideais e propósitos comuns dos povos.

·         Busca livrar a humanidade dos horrores contidos na conflagração de 1939-1945.

·         Inaugurar uma nova era de paz e desenvolvimento, através de uma organização internacional de vocação universal.

·         Uma organização que pudesse administrar os interesses e conflitos das nações. 

PROPÓSITOS DA ONU

- Os propósitos e finalidades das Nações Unidas, contidos no artigo 1º de sua Carta Constitutiva, são os seguintes:

a) preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes na primeira metade do século XX trouxe sentimentos indizíveis à humanidade.

b) reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, da dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas.

c) estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos.

d) promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla.

e) praticar a tolerância e viver em paz, uns com outros, como bons vizinhos, e unir as forças para manter a paz e a segurança internacionais, e garantir, pela aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será usada a não ser no interesse comum.

f) empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos.

g) manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim, tomar coletivamente, medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz.

h) desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direito e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal.

i) conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.

j) ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses objetivos comuns. 

INTRODUÇÃO À PAZ PERPÉTUA

- A paz perpétua coloca em primeiro plano as possibilidades da paz e a defesa do republicanismo.

·         Ressaltando a relação necessária entre ética e política por intermédio do Direito Internacional.

- Para Kant as relações entre as nações assemelham-se às relações dos homens no estado de natureza, vigorando a ausência de justiça.

·         Para solucionar o problema, o filósofo alemão propõe um sistema de Direito Internacional baseado em uma federação de Estados e administrado por uma liga de nações cujo objetivo maior seria a conservação e a garantia da liberdade. 

AS CONDIÇÕES PARA A PAZ PERPÉTUA

- A realização da paz perpétua exige:

·         A constituição republicana (separação de poderes e representação popular) no interior dos Estados.

·         A federação das nações no plano internacional.

·         O reconhecimento dos direitos da pessoa em todo o mundo.

ESTRUTURA: SIMPLES E COMPLEXA

- Kant estrutura o texto em forma de um conciso tratado imaginário de paz.

·         O filósofo escreveu artigos preliminares e definitivos, apêndices, suplementos, e até mesmo um artigo secreto, reproduzindo assim as convenções de paz da época.

·         Embora escrito de maneira simples e direta, a obra é uma obra filosófica complexa.

PONTOS PRINCIPAIS

1) Os Estados nas suas relações externas vivem ainda num estado não jurídico (seria melhor dizer num estado jurídico provisório).

2) O estado de natureza é um estado de guerra e, portanto, um estado injusto (da mesma maneira como é injusto o estado de natureza entre os indivíduos).

3) Sendo esse estado injusto, os Estados têm o dever de sair do mesmo e fundar uma federação de Estados, segundo a ideia de um contrato social originário, ou seja, “uma união dos povos por meio da qual eles sejam obrigados a não se intrometer nos problemas internos uns dos outros, mas a proteger-se contra os assaltos de um inimigo externo”.

4) Essa federação não institui um poder soberano, ou seja, não dá origem a um Estado acima dos outros Estados, ou superestado, mas assume a figura de uma associação, na qual os componentes permanecem num nível de colaboração entre iguais, como se dos dois contratos que, segundo a doutrina tradicional do jusnaturalismo, eram necessários para a formação do Estado, o pactum societatis e o pactum subiectiones, tivesse que ser efetivado, para resolver os conflitos entre os Estados, somente o primeiro e de forma alguma o segundo.

OS ARTIGOS DA 1ª SEÇÃO

- Os artigos preliminares da primeira seção tratam das condições prévias para a obtenção da paz.

·         Todos os seis artigos desta parte da obra são formulados com o uso da expressão deve ser.

1ª ARTIGO - Kant adverte que a reserva de pretensões antigas pode ser válida no futuro, para ser usada com intenção de novas hostilidades.

·         “[...] As causas existentes para guerra futura, embora talvez agora ainda não sejam conhecidas aos próprios contratantes, são aniquiladas em seu todo pelo tratado de paz”.

OBS: “para Kant um tratado de paz não deve conter nem o pedido de ressarcimento das despesas de guerra, porque nesse caso o Estado vencedor se arvoraria em juiz em causa própria, nem retirar aos súditos do país conquistado a liberdade, pois esse é um direito natural dos indivíduos e dos povos”.

2ª ARTIGO - Kant critica de forma veemente o Estado Patrimonial, segundo o qual o Estado é considerado como patrimônio próprio do soberano.

·         Entende que a visão patrimonialista dos soberanos leva necessariamente a uma busca incessante de expansão de poder, causa constante de guerras.

OBS: “Kant opõe que o Estado é uma pessoa moral, e de uma pessoa moral, por analogia com a pessoa física, não se pode dispor como se fosse uma coisa”.

3ª ARTIGO - O filósofo alemão trata da questão do desarmamento.

·         Defende o fim dos exércitos permanentes.

·         Alega o custo excessivo de manutenção de exércitos permanentes.

·         Entende que a manutenção de exércitos permanentes acaba por estimular a corrida armamentista, dado o receio recíproco constante existente entre as nações.

4ª ARTIGO - O quarto artigo critica o endividamento dos Estados.

·         Kant quer “evitar o perigo implícito no aumento indefinido da dívida pública, que leva o Estado a possuir uma perigosa força financeira, ameaça perpétua, direta ou indireta, de guerra”.

5ª ARTIGO - O quinto artigo é dedicado à defesa do princípio consagrado no Direito Internacional da não intervenção.

·         Veda a intervenção por parte de um Estado nos negócios externos ou internos de outro Estado.

 

- No último artigo da primeira seção das condições prévias para a obtenção da paz:

·         Kant desenvolve a ideia de guerra justa.

·         Recrimina o uso de espiões, assassinos e atos de traição.

·         Entende que essas “artes infernais”, uma vez introduzidas durante a guerra, dificilmente cessarão após o seu fim.

·         Reprova a prática de guerras de extermínio e de punição.

OBS: Dado a igualdade jurídica dos Estados, inerentes à soberania, não seria possível um Estado punir outro, por total ausência de hierarquia.

ARTIGOS DA 2ª SEÇÃO

- A segunda seção, consagrada aos artigos definitivos; resume conceitos acerca do Direito Público.

1ª ARTIGO - Exorta a necessidade de adoção por parte dos Estados de constituições republicanas.

·         Dessa forma, a república “(...) não é somente a melhor forma de governo no que diz respeito às relações entre o Estado e os cidadãos, mas também no que diz respeito às relações entre os Estados. Ela garante, melhor do que qualquer outra, internamente, a liberdade, e externamente a paz: é, portanto, a condição principal daquela coexistência pacífica na liberdade ou livre na paz, que constitui o ideal moral da espécie humana”.

- Para Kant a forma de governo concerne à maneira pela qual o poder é exercido, sendo que na república o Poder Executivo é separado do Poder Legislativo, e o governo obedece às leis promulgadas pelo soberano, que devem estar de acordo com a vontade geral.

·         A forma republicana difere do despotismo, onde não há separação de Poderes.

- A forma ideal de governo, consubstanciada na república, implica, portanto na consagração de dois valores políticos fundamentais:

·         Separação de Poderes.

·         Representação popular.

OBS 1: (...) O republicanismo é o princípio de Estado da separação do poder executivo (o governo) do legislativo; o despotismo é o da execução autocrática do Estado de leis que ele mesmo propôs, por conseguinte da vontade pública enquanto ela é manipulada pelo regente como sua vontade privada.

OBS 2: “Toda forma de governo que não é representativa é propriamente uma não-forma, porque o legislador não pode ser em sua mesma pessoa ao mesmo tempo executor de sua vontade (...)”.

2ª ARTIGO - Kant defende que o Direito internacional deve fundar-se em um federalismo de Estados livres.

·         “vemos o pacifismo político de Kant desembocar no pacifismo jurídico”.

·         Não é suficiente que os Estados se tornem republicanos: a república é uma condição necessária, mas não suficiente para a paz perpétua.

·         É necessário também que as repúblicas assim constituídas originem uma federação, ou seja, obriguem-se a entrar numa constituição análoga à constituição civil na qual seja possível garantir para cada membro o próprio direito.

·         Essa federação deve se distinguir, de um lado, de um superestado que contradiz o princípio da igualdade dos Estados, mas por outro lado, deve se distinguir de um puro e simples tratado de paz, porque esse último se propõe a pôr fim a uma guerra, enquanto aquela se propõe a pôr termo a todas as guerras e para sempre.

3ª ARTIGO - Kant lança as bases para a criação do que ele denominou Direito Cosmopolita.

·         “deve ser limitado às condições da hospitalidade universal”.

OBS 1: Esse artigo foi interpretado de maneiras diferentes por diversos autores.

·         Para Bobbio, “por direito cosmopolita entende-se uma seção do direito diversa do direito internacional (...)”, pois “enquanto o direito internacional regula as relações entre os Estados, e o direito interno regula as relações entre o Estado e os próprios cidadãos, o direito cosmopolita regula as relações entre um Estado e os cidadãos dos outros Estados (ou seja, os estrangeiros)”.

OBS 2: Outra interpretação desse acordo é a manifesta condenação de Kant ao colonialismo.

·         Como se pode depreender do elogio feito por Kant à China e ao Japão, que permitiam certas relações com os países europeus, mas não a instalação de colônias. 

CONCLUSÃO

- A realização da paz perpétua para Kant exige a constituição republicana (separação de poderes e representação popular) no interior dos Estados.

·         A federação das nações no plano internacional e o reconhecimento dos direitos da pessoa em todo o mundo.

- Em tempos de crise de legitimidade no mundo, as lições de Kant contidas neste livro, À paz perpétua, são sempre uma boa lembrança aos formuladores de políticas públicas de que a paz perpétua é (talvez seja) possível.

 

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