segunda-feira, 25 de novembro de 2024

EDUCAR PARA O FUTURO: O SOL DA PRIMAVERA

 EDUCAR PARA O FUTURO: O SOL DA PRIMAVERA

Por: Claudio F. Ramos, C@cau 25/11/2024

O Movimento Escola Sem Partido (MESP), não somente, mas principalmente, defende concepções generalizadoras e unívocas do que se deve e do como se deve fazer em sala de aula; ou seja, postulam formatos consensualizados, que visam difundir, entre outras coisas, as intenções e perspectivas de um segmento classista, conservador (tradicionalista) e uniformizador da sociedade brasileira. Na ponta de lança desse movimento encontram-se representantes de partidos políticos, principalmente os da extrema direita, empresários e grupos familiares, principalmente os das famílias mais abastadas da nação. Defendem, essencialmente, um ensino moralizador e, em razão disso, são contrários aos princípios de formação libertadora, crítica e que atenda às pluralidades sociais.

De modo geral, para os adeptos desse movimento, a educação deve ser sempre isenta de qualquer tipo de ideologia (sendo que isso, por si só, já constitui uma ideologia). Acreditam que, se as coisas caminharem desse modo, as crianças e os adolescentes não servirão como massa de manobra para a propagação de enredos e falas “perigosas”, “ateístas”, “progressistas” e, principalmente, “comunistas”. Nada que atente contra a moral e os bons costumes!

Se os ideais defendidos pelos signatários desse movimento forem plenamente ou parcialmente efetivados, dentro do processo de formação dos jovens brasileiros, as primeiras alterações que se farão notar surgirão na produção dos materiais didáticos. Facilmente se perceberá algumas coisas que nos reaproximarão de um passado não muito distante; refiro-me a conteúdos semelhantes àqueles que no passado fizeram partes da grade curricular dos ensinos Médio e Fundamental durante muito tempo (1969-1993). Durante esse longo período, foram ensinadas nas escolas brasileiras duas conhecidíssimas disciplinas: EMC - Educação Moral e Cívica e OSPB - Organização Social e Política do Brasil. Isso só foi possível porque disciplinas como a Sociologia e a Filosofia foram relegadas ao ostracismo curricular das escolas. De maneira resumida, as disciplinas EMC e OSPB foram criadas durante a vigência do Regime Militar, cujo objetivo era o de formar o caráter dos alunos com base em princípios morais, bons costumes e patriotismo. De maneira mais específica: OSPB ensinava o sistema político do país, a Constituição e os deveres do cidadão brasileiro (imagine ensinar cidadania com zero democracia); já a EMC era ministrada a estudantes dos primeiros anos do ensino fundamental e tratava basicamente dos deveres cívicos das crianças (os deveres de um cidadão qualquer devem ser alienados dos seus direitos?).

Sobre as consequências e os efeitos que uma educação orientada por um movimento como esse (MESP) poderiam causar na capacidade de desenvolvimento crítico dos alunos em formação, na condição de docente em Filosofia e graduando em Ciências Sociais, penso que o somatório de tudo isso seria no mínimo um retrocesso. E digo mais, retrocesso é puro eufemismo. Desde sua origem, enquanto animal social, principalmente depois das Revoluções Modernas e das transformações sociais/econômicas/tecnológicas que delas derivaram (as duas Grandes Guerras, sufrágio universal, o fim da escravidão, a mulher no mercado de trabalho etc.) a vida em sociedade tem se mostrado cada vez mais plural e complexa; o sociólogo francês Émile Durkheim (1858-1917) define essa complexidade a partir do conceito de solidariedade orgânica; ou seja, uma sociedade que possui uma coesão social não pela similitude entre os seus membros, mas sim por diferenciação, que vai resultar em interdependência (Durkheim, 195:31). É bem verdade que nas sociedades mais arcaicas, essa pluralidade não era nada perceptiva (mas, percebida ou não, embrionariamente, ela já estava lá; ao menos como possibilidade); no entanto, o mesmo já não pode ser dito sobre as sociedades contemporâneas; a pluralidade/diversidade grita em nossos ouvidos em todos os espaços, o tempo todo. Hoje, não se deve discutir a diversidade, isso já deveria ser senso comum, só não ver quem não quer! Hoje a discussão deve girar em torno de proposições, métodos e formas de inclusão integral. A partir daí surgem importantes questões: como promover a unidade reconhecendo e respeitando as diferenças? Como aceitar o fato de que as mulheres, mesmo com diversas singularidades/especificidades, são tão capazes quanto qualquer outro cidadão? Como tratar com alteridade as divergências e/ou diferenças entre gêneros, entre etnias, entre credos, entre profissões, entre concepções políticas, modelos econômicos, decisões pessoais etc.? Às vezes quando não se tem uma resposta unívoca, monocromática e absoluta para questões tão complexas como essas, deve-se tentar uma espécie de pedagogia inversa. Alguma coisa como: não controlamos o futuro, mas temos inúmeras experiências pretéritas; ou seja, não sei com clareza o que será, mas sei com certeza o que já foi. Que tal começarmos com o que já possuímos? Se o passado é pródigo em nos ensinar, por que então cometer os mesmos erros? Se o que foi feito por muito tempo, no campo educacional, foi bom, por que razão a nossa sociedade hoje parece viver em uma anomia sistêmica (o país é vilipendiado todos os dias, dos mais altos aos mais baixos escalões; dos mais velhos aos mais novos cidadãos; ética é raridades em todos os setores), uma verdadeira patologia social (enfraquecimento da solidariedade social, segundo Durkheim)?

Desigualdade social, poder, cultura e cidadania, esses e outros temas urgem por abordagens mais sérias, humanistas, inclusivas e éticas, não ideológicas. Não existe um modelo único, pronto e perfeito para esse empreendimento, como parecem acreditar os defensores do MESP! Tanto nas escolas públicas ou particulares, quanto no Ensino Médio e Superior, o compromisso deve ser um só: o de formar seres autônomos ao invés de seres heterônomos. Isso traz quais implicações? Pessoas capazes de tomar decisões conscientes dos seus direitos e, principalmente, de seus respectivos deveres. Em um mundo onde os pais passaram a ter poucos filhos, muitas vezes filho único, a superproteção tornou-se lugar comum (teme-se o uso de drogas, o consumo descontrolado dos fármacos, abusos autoritários dos que exercem o poder, discriminações, egoísmos exacerbados, violências institucional/social/familiar, alienação parental, intolerância de gênero/religiosa, radicalismo político etc.); em razão disso, se exige mais das instituições de ensino hoje do que se exigia antes; no entanto, escola não deve ser vista como fortaleza dos valores de outrora (até as metodologias científicas mudam), nem defensora inquestionável de ideologias do presente, sejam elas quais forem (políticas, credos, classes etc.). A escola pode até não ter partido, isso parece ser bastante razoável, afinal de contas, existem políticas que não são partidárias, mas não se pode esquecer que, enquanto espaço de poder que de fato é (“Conhecimento é poder”, já nos disse o filósofo inglês Francis Bacon 1561-1626), a escola jamais deixará de ser também espaço de política, campo de poder (segundo o filósofo e sociólogo Pierre Bourdieu - o conceito de campo é um espaço simbólico onde as lutas entre os agentes determinam o que é válido e o que é legítimo, aceitável etc.), portanto, a escola sempre foi zona de influências variadas. Por que será que o MEC, instância maior no gerenciamento e orientações da educação em nosso país, está diretamente submetido as políticas educacionais perpetradas pelos representantes políticos da nação (os/as homens/mulheres do poder)? Assim como ocorre com o sistema democrático, a escola não é a única solução para os problemas da nação; toda via, sem ela todas as reais possibilidades desvanecem. Com um pouco de esforço e bom senso, não é difícil perceber a unidade implícita na origem das coisas presente no cosmo (Deus e/ou Big-Bang); no entanto, mesmo reconhecendo essa unidade inicial das coisas, não é nada fácil fazer o mesmo com a suposta homogeneidade dessa mesma realidade cósmica (suposta porque, provavelmente, essa tão desejada homogeneidade, tudo tão parecido e uniforme, nem exista). Olhe para as águas do rio e para as águas do mar, em um primeiro momento, qual das duas lhe parece salgada? Ao invés de se preocuparem unicamente com uma Escola Sem Partido, entendemos que os signatários desse movimento deveriam se debruçar sobre outros temas necessários e prementes na educação atual: escola de tempo integral e de qualidade para todos; uma escola inclusiva de fato e sem maquiagens; qualidade da educação pública com: conteúdos atuais, merenda naturais e nutritivas e, principalmente, infraestrutura moderna; as múltiplas formas de violência escolar: cyberbullying, discriminações etc.; transporte escolar acessível e de qualidade; qualificação, valorização, remuneração e adequado descanso do corpo docente etc. A ausências de compromisso real com os temas que acabamos de elencar, possibilitam e dão margens para essas distrações falaciosas (MESP); adultos que não foram educados para refletir, quando muito, só conseguem replicar velhas e carcomidas fórmulas anacrônicas que aprenderam de forma decoradas no passado. Afirmar, no âmbito educacional, que o Brasil já foi um país bem melhor do que é hoje, em razão do saudosismo romântico dos mais antigos e do fixismo dos ultraconservadores, constitui a maior prova de que não estamos nos preparando adequadamente para o futuro que, contraditoriamente, já chegou! Essa é uma verdade tão antiga que até Salomão, filho de Davi, rei de Israel, já deixou registrado por intermédio das Sagradas Escrituras: “Por que foram os dias passados melhores do que estes? Não há sabedoria nesse tipo de pergunta.” (Eclesiastes 7:10). O passado já nos ensinou; o presente é urgente e, como já dissemos anteriormente, o futuro já chegou com toda sua vertiginosa rapidez manifesta por meio dos processos de automação da produção, da robótica, da IA, das plataformas digitais etc. Se as escolas tivessem toda influência sobre todos os detalhes da vida dos jovens que dizem que ela tem (política, gênero, religião etc.), não seria preciso haver leis que proíbem o uso de aparelhos celulares em sala de aula, nem os influenciadores digitais teriam status de celebridades em nosso país, nem muito menos os inúmeros canais de TV permaneceriam insistindo na velha fórmula novelesca, onde, a cada nova novela, mesmo com renovados protagonistas, entrega-se sempre mais do mesmo. Diante dessa impropriedade, de que a escola influencia fato tanto quanto se acredita que ela influência, devemos refletir bastante sobre qual tipo de educação devemos, queremos e podemos implementar para e com os nossos jovens; afinal de contas, fala-se muito de protagonismo hoje em dia, portanto, também devemos ouvi-los; a fim de poder promover um futuro melhor para todos, não somente para uns. O cantor e compositor Beto Guedes, em parceria com Ronaldo Basto, pode, se deixarmos, nos ajudar com essa reflexão quando diz: “Já choramos muito, Muitos se perderam no caminho, Mesmo assim não custa inventar, Uma nova canção, Que venha trazer, Sol de primavera, Abre as janelas do meu peito, A lição sabemos de cor, Só nos resta aprender.” (Sol de Primavera 1979)

 

 

 

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