domingo, 21 de janeiro de 2018

INTRODUÇÃO AOS PRÉ-SOCRÁTICOS

(O Mítico e o Filosófico)


O QUE É O MITO
Uma Narrativa - Um mito é uma narrativa sobre a origem de alguma coisa:

- A origem dos Astros; da Terra; dos Homens, das Plantas, dos Animais, do Fogo, da Água; dos Ventos; do Bem e do Mal; da Saúde e da Doença; da Morte; dos Instrumentos de Trabalho; das Raças; das Guerras; do Poder; etc.

SEMÂNTICA DO MITO
Origem e Significado - A palavra mito vem do grego, e deriva de dois verbos:

- Do verbo (contar, narrar, falar alguma coisa para os outros) e do verbo (conversar, contar, anunciar, nomear, designar).

CREDIBILIDADE DO MITO
Um narrador de confiança - Para os gregos, mito é um discurso pronunciado ou proferido para ouvintes que recebem como verdadeira a narrativa, porque confiam naquele que narra.

- O mito é uma narrativa feita em público, baseada, portanto, na autoridade e confiabilidade da pessoa do narrador.

- E essa autoridade vem do fato de que ele ou testemunhou diretamente o que está narrando ou recebeu a narrativa de quem testemunhou os acontecimentos narrados.

O POETA DO MITO
O poeta-rapsodo - Quem narra o mito? O poeta-rapsodo! Quem é ele? Por que tem autoridade?

- Acredita-se que o poeta é um escolhido dos deuses, que lhe mostram os acontecimentos passados e permitem que ele veja a origem de todos os seres e de todas as coisas para que possa transmiti-la aos ouvintes.

- Sua palavra (o mito) - é sagrada porque vem de uma revelação divina.

- O mito como dogma – o mito é incontestável e inquestionável.

O MITO COMO GENEALOGIAS
(Cosmogonia/Teogonia)

Cosmogonia - a palavra Gonia vem de duas palavras gregas: do verbo engendrar (produzir, gerar, fazer nascer e crescer) e do substantivo nascimento (gênese, descendência, gênero, espécie). 

- Gonia, portanto, quer dizer: geração, nascimento a partir da concepção sexual e do parto. 

- Cosmos, por sua vez, quer dizer mundo ordenado e organizado.

- Assim, a cosmogonia é a narrativa sobre o nascimento e a organização do mundo, a partir de forças geradoras (pai e mãe) divinas.

Teogonia - é uma palavra composta de gonia que em grego, significa: as coisas divinas, os seres divinos, os deuses.

- A Teogonia é, portanto, a narrativa da origem dos deuses, a partir de seus pais e antepassados.

ETAPAS DO MITO
A tríade mítica – De três principais maneiras o mito narra à origem do mundo e de tudo o que nele existe.

1ª MANEIRA
A) Origem sexual – a narrativa mítica busca encontrar o pai e a mãe das coisas e dos seres, isto é, tudo o que existe decorre de relações sexuais entre forças divinas pessoais.

- Essas relações geram os demais deuses: os titãs (seres semi-humanos e semi-divinos); os heróis (filhos de um deus com uma humana ou de uma deusa com um humano); os humanos; os metais; as plantas; os animais; as qualidades; como quente-frio; seco-úmido; claro-escuro; bom-mau; justo-injusto, belo-feio, certo-errado, etc..

B) Uma sequência genealógica – a narrativa sequencial promove uma genealogia, isto é, a narrativa da geração dos seres, das coisas, das qualidades, por outros seres, que são seus pais ou antepassados.

Exemplo 1
A origem de Eros (Cupido) - Observando que as pessoas apaixonadas estão sempre cheias de ansiedade e de plenitude, inventam mil expedientes para estar com a pessoa amada ou para seduzi-la e também serem amadas, o mito narra (de inúmeras maneiras) a origem do amor, isto é, o nascimento do deus Eros.

Eros (Cupido) era considerado pelos gregos como o deus do amor. Há várias versões sobre a história deste deus. Segundo Hesíodo (Teogonia) e Empédocles (Filósofo, Poeta e Historiador), ele era descendente de Caos, sendo assim uma divindade primordial. Enquanto o Caos é o representante do vácuo primitivo reinante no Universo, Eros é a energia que organiza e unifica tudo. Através dele, tudo passava do estado caótico para a condição cósmica, ou seja, ao espaço bem ordenado. Depois Eros passou a ser conhecido como um deus integrante do Olimpo, gerado por Afrodite e Zeus, Hermes ou Ares de acordo com a interpretação vigente. Ele detinha uma beleza ímpar, atendia aos desejos de Afrodite, sempre pronto a disparar suas flechas do amor contra mortais e imortais, conforme as determinações maternas. Representado como uma criança, explicam algumas versões que Afrodite teria, um dia, reclamado com Métis (Prudência), que o filho não crescia nunca. A amiga lhe recomendou então ter outro filho, o que propiciaria o crescimento de Eros. Isso teria realmente ocorrido depois do nascimento de Antero (Amor Mútuo), eventualmente Antero se opunha ao irmão. Homero não cita Eros em nenhum momento na sua Odisseia. Cabe a Hesíodo narrar sua existência pela primeira vez, descrevendo-o como o imortal mais formoso, sedutor, apto a dominar os corações e a vencer a Prudência. O filósofo grego Platão (Banquete), narra a gênese de Eros de forma completamente distinta. Ele o descreve como fruto da disponibilidade de Poros (Expediente), e da carência constante de Pínia (Pobreza). Na festa celebrada pelos deuses para comemorar o nascimento de Afrodite, ambos teriam se envolvido e então gerado Eros, protegido depois por Afrodite, por ter sido concebido no mesmo dia em que ela veio à vida. Mas, a se acreditar em Platão, Eros seria pobre, sujo e eternamente carente; um mendigo, herdeiro da personalidade materna e do estilo paterno de estar sempre à espera de corpos e almas lindos e perfeitos, executando constantemente ardis sutis e astuciosas intrigas; seria o símbolo do amor necessitado, que não se concretiza, pois o objeto do desejo sempre escapa de suas mãos.

Exemplo 2
O casamento de Eros com Psique - A história de Eros e Psique é uma das mais belas e profundas.

Eros se casa com a amada, mas a proíbe de ver seu rosto, pois deseja ser amado não como uma divindade, mas como um mortal. Ela, porém, vencida pela curiosidade, vale-se do momento em que ele adormece e espia sua face; ela fica tão encantada que deixa uma gota de cera da vela que ilumina seu amado, cair em seu peito. Eros desperta e fica enraivecido, deixando sua amante. Ela fica sem rumo, ou em outras versões, é castigada por Afrodite, inconformada com a paixão de seu filho por Psique; de qualquer forma, arrependido, Eros implora a misericórdia de Zeus para a mulher amada. O deus supremo cede e torna Psique imortal, unindo os jovens amantes, que passam a morar no Olimpo. A bela mortal representa, segundo alguns especialistas, a espiritualidade presente no Homem, o que transforma esta lenda em penetrante metáfora sobre a relação da alma humana com o Amor.

2ª MANEIRA
A) Alianças e/ou Rivalidades – O mito traz uma rivalidade ou uma aliança entre os deuses que faz surgir alguma coisa no mundo.

- O mito narra ou uma guerra entre forças divinas ou uma aliança entre elas para provocar alguma coisa no mundo dos homens.

- O poeta Homero, na Ilíada, epopeia que narra a guerra de Tróia, explica por que, em certas batalhas, os troianos eram vitoriosos e, em outras, a vitória cabia aos gregos.

- Os deuses estavam divididos, alguns a favor de um lado e outros a favor do outro.

- A cada vez, o rei dos deuses, Zeus, ficava com um dos partidos, aliava-se com um grupo e fazia um dos lados - ou os troianos ou os gregos - vencer a batalha.

B) A Guerra de Tróia - A causa da guerra deu-se por conta de uma rivalidade entre as deusas.
- Elas apareceram em sonho para o príncipe troiano Páris, oferecendo a ele seus dons e ele escolheu a deusa do amor, Afrodite.

- As outras deusas, enciumadas, o fizeram raptar a grega Helena, mulher do general grego Menelau, esse fato deu início à guerra entre os humanos.

3ª MANEIRA
A) Recompensas e Castigos – O mito narra as recompensas ou os castigos que os deuses dão a quem lhes obedece ou a quem lhes desobedece, respectivamente.

- O homem e o uso do fogo - para os homens, o fogo é essencial, pois com ele se diferenciam dos animais, porque tanto passam a cozinhar os alimentos, a iluminar caminhos na noite, a se aquecer no inverno quanto podem fabricar instrumentos de metal para o trabalho e para a guerra.

Exemplo 1
O mito de Prometeu - Um titã (Prometeu), mais amigo dos homens do que dos deuses, roubou uma centelha de fogo e a trouxe de presente para os homens. Prometeu foi castigado (amarrado num rochedo para que as aves de rapina, eternamente, devorassem seu fígado) e os homens também.

Exemplo 2
A caixa de Pandora - Os deuses fizeram uma mulher encantadora (Pandora), a quem foi entregue uma caixa que conteria coisas maravilhosas, mas que nunca deveria ser aberta. Pandora foi enviada aos humanos e, cheia de curiosidade e querendo dar a eles as maravilhas, abriu a caixa. Dela saíram todas as desgraças, doenças, pestes, guerras e, sobretudo, a morte. Explica-se, assim, a origem dos males do mundo.

O NASCIMENTO DA FILOSOFIA
(UMA CERTEZA DUVIDOSA)
A filosofia enquanto cosmologia - a filosofia, ao nascer, é uma cosmologia, uma explicação racional sobre a origem do mundo e sobre as causas das transformações e repetições das coisas.

A questão da superação - A filosofia nasce de uma transformação gradual dos mitos ou de uma ruptura radical com os mitos? Continua ou rompe com a cosmogonia e a teogonia?

Uma verdade dual - Duas foram as respostas dadas pelos estudiosos.

1ª Resposta - Ruptura abrupta (viés científico), dizia-se, então, que a filosofia nasceu por uma ruptura radical com os mitos, sendo a primeira explicação científica da realidade produzida pelo Ocidente.

- A primeira explicação foi dada nos fins do século XIX e começo do XX, quando reinava um grande otimismo sobre os poderes científicos e capacidades técnicas do homem.

2ª Resposta - Ruptura gradual (viés antropológico), dizia-se que os gregos, como qualquer outro povo, acreditavam em seus mitos e que a filosofia nasceu, vagarosa e gradualmente, do interior dos próprios mitos, como uma racionalização deles.

- A segunda explicação foi dada a partir de meados do século XX, quando os estudos dos antropólogos e dos historiadores mostraram a importância dos mitos na organização social e cultural das sociedades e como os mitos estão profundamente entranhados nos modos de pensar e de sentir de uma sociedade.

Abordagem contemporânea - Atualmente, consideram-se as duas respostas exageradas e afirma-se que a filosofia, percebendo as contradições e limitações dos mitos, foi reformulando e racionalizando as narrativas míticas, transformando-as numa outra coisa, numa explicação inteiramente nova e diferente.

MITO E FILOSOFIA
(Diferenças e Relações)

1ª DIFERENÇA: TEMPORALIDADE
Mito (tempos imemoriais) - O mito pretendia narrar como as coisas eram ou tinham sido no passado imemorial, longínquo e fabuloso, voltando-se para o que era antes que tudo existisse tal como existe no presente.
Filosofia (passado, presente e futuro) - A filosofia, ao contrário, preocupa-se em explicar como e por que, no passado, no presente e no futuro (isto é, na totalidade do tempo), as coisas são como são.

2ª DIFERENÇA: ORIGEM
Mito - O mito narrava a origem através de genealogias e rivalidades ou alianças entre forças divinas sobrenaturais e personalizadas.

- O mito falava em Urano, Ponto e Gaia.

- O mito explica o surgimento desses seres, principalmente, por meio de relação sexual, rivalidades e alianças entre os deuses, os heróis e humanos.

Filosofia - a filosofia explica a produção natural das coisas por elementos e causas naturais e impessoais.

- A filosofia fala em céu, mar e terra.

- A filosofia explica o surgimento da realidade por composição, combinação e separação dos quatro elementos - úmido, seco, quente e frio, ou água, terra, fogo e ar.

3ª DIFERENÇA: COERÊNCIA
Mito - o mito não se importava com contradições, com o fabuloso, com o fantástico e com o incompreensível.

- A confiança e a crença no mito vinham da autoridade religiosa do narrador.

Filosofia – a filosofia não admite contradições, fabulação e coisas incompreensíveis, mas exige que a explicação seja coerente, lógica e racional.


- Na filosofia autoridade da explicação não vem da pessoa do filósofo, mas da razão, que é a mesma em todos os seres humanos.

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